“Qualquer coisa como um grito por dar”

[NÃO, NÃO É CANSAÇO... ]

Não, não é cansaço...  
    É uma quantidade de desilusão   
    Que se me entranha na espécie de pensar,   
    E um domingo às avessas  
    Do sentimento,  
    Um feriado passado no abismo...   

    Não, cansaço não é...  
    É eu estar existindo  
    E também o mundo,  
    Com tudo aquilo que contém,  
    Como tudo aquilo que nele se desdobra  
    E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.  

    Não.  Cansaço porquê?   
    É uma sensação abstracta  
    Da vida concreta —  
    Qualquer coisa como um grito   
    Por dar,  
    Qualquer coisa como uma angústia   
    Por sofrer,  
    Ou por sofrer completamente,   
    Ou por sofrer como...  

    Sim, ou por sofrer como...  
    Isso mesmo, como...  
    Como quê?...  
    Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.  

    (Ai, cegos que cantam na rua,   
    Que formidável realejo  
    Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)  

    Porque oiço, vejo.  
    Confesso: é cansaço!...

~~

Álvaro de Campos

No comments: